domingo, 10 de fevereiro de 2008

pedaços de papéis.

ela deve estar no auge dos seus oitenta anos, com aqueles cabelinhos meio acinzentados, aquelas bochechas que se tornam um pouco maior com a pele que "escorre" dos olhos. olhos, estes, que ainda possuem aquele brilho que tinham quando nasceu seu primeiro filho e até mesmo quando ela fazia planos de ter oito deles, de ser professora e de abrir uma escolinha.
o tempo pássa rápido demais.
até hoje ela guarda os bilhetinhos que ganhou do seu filho mais velho quando ele ainda tinha seis anos. um cartão de natal que sua mãe lhe deu pouco antes de morrer, já com aquela caligrafia fina, pequena e trêmula, acredita.? entra ano e saí ano e ela se diverte, ocupa o tempo olhando e lendo esses bilhetes, esses pedaços de papéis que já são amarelados e a tinta da caneta que parece se apagar.
ainda bem que as memórias permanecem. junto com elas, os bilhetes. não é pq estão apagados, amarelados e antigos que devem ser jogados fora, talvez até mereçam. mereçam um descanço no lixo mais próximo ou então uma nova chance de serem reciclados e virarem um outro bilhete, mas quem disse que o coração deixa.? quer dizer, ele não tem que deixar ou que não deixar pq não é ele que diz ao nosso braço que se mova, pegue e jogue. quem faz isso é o cérebro, e além do mais, ele também armazena aquelas mesmas memórias, como as conversas que ela tinha com a sua mãe onde dizia que oito filhos era exagero, até que ela se resolveu por querer só cinco.
os cinco filhos não nasceram, nasceram só dois. não por falta de planejamento e de vontade, os outros três morreram antes que pudessem nascer.
o sonho de ser professora foi quase completo com o magistério, mas faltou a experiência e o sonho prático, nas aulas, com as crianças. logo, não é preciso falar que a escolhinha acabou ficando só na vontade.
os bilhetes estão jogados pela cama junto com outros milhares. só não tem o caderno de quando o filho caçula entrou na escola pq ele mesmo disse que era besteira guardá-lo e jogou fora, caso contrário, ainda estaria lá.
ela tem dó de jogar fora.
não só os bilhetes, mas o passado.
e talvez a solução fosse não deixá-los mais na cama e sim, achar um lugar propício onde eles ficassem bem guardados e ela, quando quiser, pudesse lê-los, se distrair, "nostalgiar", ver o tempo passar.
um baú de lembranças.
assim quando ela morrer, ninguém se dará ao trabalho de ter que ficar caçando papéizinhos pela casa, achar seus significados e dar o seu devido fim, respectivamente. pq são apenas pedaços de papéis. pedaços de papéis que são partes de uma história, embora não tenham importância p. ninguém; além dela.

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